03 Sep 2019 Reportagem Cidades

Leyla Acaroglu: a designer vanguardista que transforma visões de mundo

Em setembro de 2019, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente irá homenagear os Campeões da Terra, importantes líderes ambientais dos setores público e privado e da sociedade civil que tiveram impacto positivo e transformador no ambiente. Aqui encontramos vencedores das edições anteriores do prêmio e mostramos como eles ainda estão fazendo a diferença em suas comunidades por todo o mundo.

Leyla Acaroglu atribui sua paixão pelo design a duas epifanias no final da adolescência: a percepção de que sua sobrevivência estava intrinsecamente ligada à saúde do planeta e a convicção de que ela era incrivelmente privilegiada por poder fazer algo a respeito dessa mudança de vida.

“Fiquei realmente surpresa por ninguém ter dito que tudo está interconectado. Cada segundo de cada dia, confio no planeta para sobreviver e minha saúde e bem-estar estão diretamente ligados ao ambiente natural ”, afirmou a australiana.

Assim que ela conquistou seu lugar, outra epifania ocorreu.

image
Foto: Leyla Acaroglu/Disrupt Design

“Fui amiga de uma jovem refugiada em um dos centros de detenção na Austrália. Ela tinha minha idade e havia fugido do Irã e queria estudar. Fiquei muito muito tocada com essa diferença entre minha liberdade e a falta de liberdade dela... Tornou-se óbvio para mim que eu era uma mulher privilegiada com a sorte de crescer na Austrália... e me comprometi com algo que teria um impacto maior do que minhas necessidades momentâneas".

E foi o que ela fez. Hoje, Acaroglu é uma auto-proclamada “revolucionária positiva”, uma educadora, uma designer, uma cientista social e uma poderosa defensora de uma nova ordem mundial, na qual a lógica da economia global linear é substituída por uma circular e por um modelo regenerativo.

Em 2016, Acaroglu ganhou o prêmio Campeões da Terra do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente da ONU na categoria Ciência e Inovação por seu trabalho trazendo mudanças ambientais, sociais e positivas por meio da inovação.

"Ganhar o prêmio realmente ajudou a estabelecer o trabalho que tenho feito como 'revolucionária positiva' profissional e permite que mais pessoas vejam que existem maneiras diferentes de se envolver com os grandes problemas que enfrentamos", disse ela.

Entre seus muitos projetos, Acaroglu criou o Método de Design Revolucionário que promove a circularidade em todos os aspectos da criação de produtos e serviços. Ela também cria programas educacionais, assessora empresas em sustentabilidade e comprou uma fazenda em Portugal para restaurar.

Desa forma manteve a empatia que inspirou sua juventude.

"Sou uma praticante sustentável justamente por conta da pobreza e da falta de oportunidades enfrentadas por tantas pessoas", disse ela. "Eu nunca poderia desfazer a experiência de perceber que tinha voz para falar para outras pessoas ...".

image
Foto: Leyla Acaroglu/Disrupt Design

A experiência multifacetada de Acaroglu e o entusiasmo ilimitado pela vida sustentável são exatamente as qualidades que se espera que sejam exibidas na Cúpula de Ação Climática em Nova York, no dia 23 de setembro de 2019.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu aos líderes mundiais, empresas e sociedade civil que cheguem à Cúpula com idéias concretas de como reduzirão as emissões em 45% na próxima década e como reduzirão as emissões até 2050, indo em linha com as diretrizes do Acordo de Paris e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. É necessária uma transformação completa das economias globais.

Em poucas palavras, essa é a filosofia da Acaroglu, que entende que o status quo é uma força poderosa que pode limitar o potencial dos líderes no enfrentamento eficaz dos problemas.

“É importante dar às pessoas - em todos os níveis de tomada de decisão e poder - a oportunidade de mudar de ideia, de pensar de maneira diferente, de experimentar como seria se não apenas seguíssemos os modelos atuais de diplomacia e poder nos negócios ”, ela disse.

Um dos exemplos mais difundidos e persistentes do status quo é a natureza linear da economia global.

"O modelo de produção linear é um modelo viciante e, portanto, quase todos os negócios, mesmo aqueles que desejam migrar para uma abordagem circular, são viciados em um modelo antigo de venda de bens de consumo", disse ela, observando que um redirecionamento global dos modelos de negócios é necessário para mudar essa noção.

Apesar do questionamento, há sinais de progresso com líderes dinâmicos avançando e ousando mudar as formas tradicionais de fazer negócios.

Acaroglu cita o sistema Loop da empresa de reciclagem TerraCycle, uma plataforma global de compras e reutilização, como um movimento positivo em direção a um sistema de produção circular e diz que pequenas e médias empresas estão se comprometendo seriamente com a circularidade. Ela também está encantada ao ver mais agências de design buscando seus conselhos sobre o fornecimento de serviços de economia a seus clientes.

Essa mudança é parcialmente o resultado de consumidores exigindo produtos e serviços mais sustentáveis. A Acaroglu está trabalhando com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em um projeto de estilo de vida sustentável, chamado Anatomia da Ação, que visa mostrar o poder de cada indivíduo como parte da solução, fazendo escolhas eficientes sobre como se vive e o que se consome. Essa é uma das muitas iniciativas que são realizadas em todo o sistema de fundos, programas e agências da ONU como parte de uma campanha maior de sensibilização social chamada #ActNow. Mais de 170.000 ações foram registradas na plataforma ActNow. As atividades aumentam a sensibilização, ambição e ação sobre o clima e esperam acelerar a implementação do Acordo de Paris e a vida sustentável.

Acaroglu é apaixonada pela necessidade de equipar os jovens com as ferramentas cognitivas e criativas necessárias para um salto em direção a um futuro alternativo. Em 2014, ela fundou a UnSchool of Disruptive Design - um laboratório experimental de conhecimento para criativos e revolucionários agentes de mudança. Se o trabalho de Acaroglu inspira esses inovadores, eles também a estimulam.

"A UnSchool e o trabalho que faço com essas pessoas são a maior chance de otimismo que eu poderia ter em qualquer dia da semana", disse ela.

Em sua tentativa de remodelar a educação, Acaroglu projetou um currículo de economia circular - a Sala de Aula Circular - para a Finlândia e está trabalhando em outro para o Sudeste Asiático. Ela também é uma apaixonada por romper estereótipos de liderança baseados em gênero. Esse pensamento reflete os pedidos das Nações Unidas para que as mulheres sejam incluídas como tomadoras de decisão na transformação necessária para o enfrentamento das mudanças climáticas.

image
Foto: Leyla Acaroglu/Disrupt Design

"O debate de gênero não é unilateral", disse Acaroglu. “O que precisamos é que as mulheres tenham mais espaço de liderança e que os homens tenham espaço para serem emocionalmente maduros e inteligentes. É um grande problema que adoraria ver resolvido porque afeta diretamente nossa capacidade de resolver problemas ".

Seus próprios defensores do meio ambiente incluem Afroz Shah, o advogado indiano por trás da maior limpeza de praias do mundo em Mumbai e um colega Campeão da Terra o designer Ron Finley, o 'jardineiro gangsta' que tem como missão levar a jardinagem urbana ao sul de Los Angeles.

Para Acaroglu, a liderança por meio de ações é fundamental, mas inspirar outras pessoas está se tornando difícil pois a narrativa predominante é de desespero. Essa ideia de que nossa crise climática é profunda e complexa demais para ser abordada está minando a energia das gerações mais jovens, diz Acaroglu. Mais uma vez, educação e compreensão são fundamentais. Aprender a ter esperança pode ser a lição mais importante de todas.

“Quando você entende que o mundo é essa bagunça dinâmica, interconectada e caótica de oportunidades e desafios, então você está equipado com as ferramentas corretas para ver que pode transformar esses desafios em outras coisas. Essa resiliência, a capacidade de ser flexível na mente e ver o futuro como diferente do presente, é algo que precisamos garantir que todos os nossos jovens tenham ”, disse ela.

“Agora é a hora de pegar toda essa tecnologia, todo esse poder e essa colaboração e descobrir como ser uma força para retribuir ao planeta que nos criou. Esse é meu desafio de vida e espero inspirar gerações futuras a serem capazes de enfrentar esse desafio".